quinta-feira, 29 de abril de 2010

Capítulo III

Obirici – II parte – Criada por Rose de Portto Alegre

Acredite ou não, caro leitor – e, se não acreditar, procure as provas e evidências, é seu direito – o fato é que, depois que Obirici morreu de amores, criando com suas lágrimas o Ibicuiretã – ou Rio de Areia –, seu irmão, Iracuí, saudoso e desconsolado com sua perda, resolveu prestar-lhe uma última homenagem: deu à filha, que acabara de nascer, o seu nome. Comprova-o documentos encontrados quase dois séculos depois, por milagre salvos das pragas dos cupins e das traças, e, ao que tudo indica, escritos, de próprio punho, pelo português Pedro, um dos heróis da história.
A pequena Obirici, a cada dia tornava-se mais parecida com a tia – provocando, com isso, lágrimas furtivas no pai. O que, ao mesmo tempo, o consolava. Semelhante nas feições, mas diferente no espírito. Essa, ao contrário da primeira, tinha um jeito mais destemido e aventureiro. Era mais livre, e mais forte. Tanto, que tornou-se comum vê-la passar cedinho em sua piroga, sozinha, em direção ao sul, onde costumava ficar por um dia inteiro, tendo por companhia apenas Tupã e os espíritos das matas.
Os índios sabiam respeitar a vontade de alguém que quisesse ficar sozinho. Com isso, ninguém lhe indagou o que fazia por lá.
Na verdade, ia encontrar os papagaios, porque era lá que eles ficavam, numa grande árvore, balançando-se e conversando entre si. Obirici, também gostava de nadar e mergulhar nas águas limpas e doces daquele rio. Um dia, encontrou um jovem branco, açoriano, que acabara de chegar com seus pais àquela terra.
Os Tapimirins, índios dessa região, diferentemente de outras tribos, não fugiram, não debandaram, nem lutaram, e acabaram, desse modo, convivendo pacificamente com o povo que chegava; já estando, àquela altura, mais ou menos acostumados a ver caraíbas andando por ali. De vez em quando, um grupo de índios, que saia para caçar mais longe, topava com um grupo de brancos, que também andava explorando a região, e era só.
Daí que Obirici não deu muita importância à presença do jovem português naquele dia, naquele local. E, mais vezes, acabou fazendo o seu velho percurso sem vê-lo. Era ela e a natureza. Porém, passou-se um tempo e, outra vez, o jovem estava lá. Agora parecendo fazer parte do lugar. A índia não pode deixar de notar que ele era bem bonito, apesar de branco, e de não usar nenhuma tinta no corpo. Mas seguiu a correnteza e a sua vida.
Na aldeia, na volta, se pegou pensando no português. Quem seria, e o que estaria fazendo; afinal, os caraíbas não costumavam sair da sua aldeia sem um bom motivo, e muito menos sozinhos.
Dali a três dias, Obirici saiu de novo em sua piroga e, nesse dia, como se ouvisse uma algazarra diferente, vinda das árvores onde ficavam os papagaios, resolveu descer e ver o que estava acontecendo. Puxando a canoa até a margem, entrou mato adentro. Andando um pouco, chegou a uma clareira, na qual o rapaz, sentado numa pedra, tocava uma flauta, sem notar que era observado. “Está tocando para os papagaios – pensou a moça –, parece comunicar-se com eles.” – E, escondida atrás de uma árvore, ficou a olhar a cena, fascinada. Aconteceu, no entanto, de um dos papagaios voar e ir parar justamente em cima da tal árvore. Por um instante, e, ao olhar o pássaro, a moça, mexendo-se em seu esconderijo, foi notada pelo rapaz, cujo nome era Pedro.
Naquela noite, antes de pegar no sono, Pedro pensou em Obirici; e Obirici, sonhou com Pedro.
Mais vezes eles voltaram à clareira dos papagaios. Um dia, entenderam que seus espíritos eram irmãos. Pedro, pela maneira como era apegado às coisas da natureza, mais parecia índio do que branco; e, Obirici, tinha uma tal vontade de tudo aprender e de tudo saber, que logo, logo, interessou-se em aprender a língua, e o que mais pudesse, dos portugueses.
E então, tiveram vontade de ficar juntos, após o entardecer; entretanto, acabaram voltando para suas famílias. E outro dia, e mais um, e mais outro, até que entenderam não poder continuar a viver um longe do outro.
Chegando em casa, cada um, com muita calma, equilíbrio e amor, falou com seus familiares. E como ambos eram bastante amados, além de muito respeitados por todos, os pais, apesar do estranhamento, não ousaram ir contra a sua vontade.
Tanto o povo índio, quanto o povo branco, entendeu ser, aquela união, uma benção, uma aliança benéfica, que decerto consolidaria o sentimento de paz que deveria haver perenemente entre as duas nações. Dali a alguns dias, a tribo e a pequena aldeia foram testemunhas de duas cerimônias de casamento: a primeira, na capela improvisada da aldeia dos caraíbas, e a segunda, que na oca central da aldeia tapimirim.

3 comentários:

  1. Quando as diferenças são respeitadas,o verdadeiro amor,seja ele de que tipo pode acontecer.

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  2. sim, cotidiano.
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    salve o respeito às diferenças. e viva o amor.

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  3. e rose!
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    como conseguiu manter tão bem a continuidade da narrativa do encontro dos dois. e a mãe-natura
    os unindo, no certeiro amor.
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    haja inspiração, enquanto escreve, hem?
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    bjo!

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