sábado, 1 de maio de 2010

Capítulo V

O afeto que Teresa e Armando tinham por Bia, mais até do que pelos outros netos – os filhos de Bárbara –, não podiam negar, era retribuído integralmente. Ela amava os pais, mas adorava os avós; sentindo com eles, e especialmente com a avó, uma identificação que parecia vir de muito longe. Ainda pequena, fazia-lhe companhia nas reuniões da associação, conhecendo precocemente o doce significado da palavra cidadania.

Por volta dos quatorze, Beatriz descobriu que arco e flecha não eram somente peças de museu ou elementos de decoração, mas um esporte muito interessante, que constava, inclusive, dos Jogos Olímpicos – como explicou, naquela tarde de ventania, ao chegar alvorotada em casa. Sem pensar duas vezes, matriculou-se num curso, revelando-se, com o passar das semanas, bem talentosa, para surpresa e satisfação de seu instrutor. Incentivada por ele, resolveu participar, vencendo até, vários torneios.

Além do arco e flecha, gostava de se enfeitar com penas, conchas e outras peças do bonito artesanato indígena que adquiria com os índios que apareciam nos domingos, no Brique da Redenção. Chegou até a pensar em estudar Tupi-guarani, mas deixou a idéia para mais tarde. Adorou Quarup, de Antonio Callado, que não sossegou enquanto não chegou ao fim – presente de Natal de Armando. No aniversário, recebeu, da avó, Maíra, do Darcy Ribeiro.
Pelos dezessete, tendo estudado a recente história do país, e querendo saber mais sobre o envolvimento do avô com a política, curiosa, pediu que a avó a acompanhasse a algumas reuniões partidárias. Não se emocionou, no entanto, nem um pouco com a militância política. Na primeira reunião, quase sufocou com a fumaça dos cigarros, aborreceu-se com os discursos, cuja maioria, na sua opinião, não passavam de um desfile de egos, e odiou a mania das churrascadas e comilanças, que, mais do que reunir e fazer pensar, pareciam embotar os cérebros. Ainda mais que já fazia um tempo que resolvera tornar-se vegetariana. “Por mim é que os bichos não vão passar por todo aquele sofrimento... além do mais, quem gosta de sangue é vampiro... – discursava, firme e provocadora. – Sem contar que essas queimadas, pra fazer a mata virar campo de pastagem, entre outros fatores, vão acabar transformando o Rio Grande num imenso deserto.”
- Não tenho dúvida... – reforçou Armando, num dia de verão que mais parecia uma fornalha. – Estamos diante da maior seca dos últimos setenta anos... tá aqui no jornal.
- É... e não adianta empurrar esse problema para as futuras gerações – considerou Teresa.

E assim ia Bia, descobrindo o mundo, com todas as suas belezas, maldades, contradições, esperanças, infâmias e generosidades...

Agora, com vinte e dois anos, e no terceiro semestre de Arquitetura, começava a querer ampliar seus horizontes... sentimentais. Havia tido alguns namoricos, coisas sem importância, nada que a empolgasse. Achava a maioria dos garotos muito fúteis, e sentia que eles, reciprocamente, tendiam a se decepcionar, já que ela estava longe dos estereótipos esperados... Chateava-se... mas não por muito tempo. A vida lhe beliscava, fazendo-a seguir adiante.
Um dia, sua prima Débora chegou toda animada por ter conhecido alguém bem legal pela Internet. “Quem sabe, pra uma pessoa como tu, que valoriza bastante a parte pensante do sujeito, essa não seja uma boa solução?”
Sem demonstrar muito entusiasmo na hora, contudo, passada uma semana, encarou a novidade.

Precisava apenas de um nick. E como em tudo o que fazia, entrava pra valer, esse, tinha que ser especial, algo que a definisse, que captasse a sua essência.
- Não estás deixando o teu legado, Bia... é apenas um cadastro num site de relacionamentos... – zoou Débora.
E ao final de quase uma semana de encucação para encontrar o tal nome, numa tarde, passando de lotação pela estátua da Obirici, deu-se conta. “É claro... é perfeito!”

De nick em punho, foi dar uma olhada na “oferta”. Depois de encontrar todo o tipo de coisas estranhas e quase desistir, lá pela quinta tentativa, encontrou um rapaz bem interessante, diferente daquele “mar de mediocridade” – como definiu o chat. Um rapaz que, por coincidência, parecia ser até da mesma tribo: seu nick era Irajá. Mas ficou na dela. Dias depois, digitado decerto pela própria mão do destino, não é que o rapaz – além de outros três – respondeu?...

2 comentários: